Cadaval de lés a lés

Este Blog pretende ser um espaço de intervenção cívica especialmente vocacionado para as questões relacionadas com o concelho do Cadaval. Não haverá limites em relação aos temas a discutir, apenas se recomenda a urbanidade dos mesmos.

terça-feira, abril 25, 2006

OS LEGADOS VIVOS

Uma boa herança habita no imaginário de todos como algo que pode ou poderia ser sinónimo de bem-estar, riqueza, felicidade, viagens, etc., tudo isto acompanhado de um grande amor, para sempre e tudo mais que uma fértil imaginação poderá trazer a quem normalmente não possui tais valias.
É evidente que quando se sonha na vantagem de receber de alguém, bens materiais de valor, sim porque toda a gente sonha com uma boa conta bancária; imóveis, rústicos ou urbanos; carros; acções de grandes empresas e até um pequeno iate, normalmente não vem à mente aquele ou aqueles que lá no passado angariaram tais patrimónios e que, multiplicando-os, os preservaram para que alguém no presente ou no futuro, deles possa beneficiar sem os sacrifícios e as agruras que envolveram quem os amealhou e legou.
Analisando um pouco melhor, depressa se conclui que atrás de uma herança há forçosamente um familiar, cujo grau de parentesco, mais ou menos distante através de uma ou várias gerações, trouxe até ao presente a tal herança sempre tão desejada.
E quem foram esses familiares que amealharam a herança a receber? Haverá alguém que por qualquer razão deixa os seus bens a não familiares, amigos, alguém a quem foram prestados serviços ou atenções importantes e eventualmente outras razões ponderosas na escolha de um herdeiro.
Haverá ainda padrinhos, tios ou outros parentes mais afastados que, por não terem herdeiros directos, dirigem para uma determinada pessoa o resultado material de uma vida de trabalho.
Mas o mais provável é que a herança desejada seja proveniente de familiares mais directos, pais ou avós e que pela tradição e lei, guardaram para filhos e netos, muitas vezes independentemente das relações de amor ou amizade que nutrem uns pelos outros.
Na verdade, no imaginário da maior parte das pessoas, ao receber uma herança, não constam do rol dos bens, aqueles que foram criadores da desejada fortuna, por maior ou menor que seja, talvez porque no passado a vida dos avós e pais era normalmente curta, em parte devido às dificuldades vividas e aos trabalhos árduos e por isso os herdeiros normalmente recebiam os bens líquidos de velhos, a quem agora se chamam pomposamente de idosos ou de terceira idade, os quais normalmente não cabem numa vida de rico herdeiro...
Há, no entanto, quem idealize uma herança que envolva uma família tão completa quanto possível, onde os avós, pais, filhos, netos e até mesmo bisnetos, fazem parte de um todo, que aliados aos tais bens materiais, fazem a felicidade e estabilidade dos membros de uma verdadeira família.
Hoje em dia é muito vulgar ouvir falar da importância e do carinho que os velhos têm para todos e as entidades públicas desfazem-se em actividades para que tão importantes elementos da sociedade se sintam felizes, longe da solidão enquanto viverem. Contudo, apesar desse sentimento de carinho expresso pela maioria da população, a verdade é que os lares de idosos, clínicas e hospitais bem como outras instituições, cujo trabalho é muito louvável, estão cada vez mais cheios de velhos e a visita dos familiares mais próximos, muitas vezes é a propósito de porem em dia as contas com a instituição e mesmo assim não são raras as vezes que nem sequer nesses dias dão essa alegria aos seus progenitores.
Felizmente, o concelho do Cadaval está servido com excelentes instituições de apoio aos mais velhos, quer públicas quer privadas, apesar de muitas vezes, por detrás de um novo acolhimento, estar patente um negócio que leva a que se releguem para segundo lugar os que, oriundos do concelho, não têm bens ou boas reformas para entregar à instituição que os recebe, assistindo-se à admissão de pessoas de outras regiões cujos os familiares aqui vêm depositar as suas heranças vivas.
É verdade que a vida moderna deixou às pessoas pouco tempo para dedicar aos que por elas deram uma vida de trabalho e de amor, mas também não é menos verdade que tal realidade é uma boa desculpa para não abdicarem da comodidade e da fruição dos prazeres dos novos tempos, os quais não se compadecem com a participação de velhos nas viagens, nas festas, na recepção de visitas ou simplesmente no ter que ficar em casa para cuidar dos que, não sendo auto-suficientes, mais do que dos cuidados físicos necessitam da presença, de carinho e amor, não de dedicados funcionários, mas daqueles que transportam nas suas veias o seu próprio sangue.
E tu leitor que pensas desta temática, como vês a família sem os velhotes que p’los seus tudo fizeram? Que achas do valor dessas heranças vivas?
Quanto conhecimento detêm e o quanto poderia ser benéfico para quem o souber aproveitar, que riqueza de valores poderiam transmitir a uma criança que com os avós mais gostariam de estar, em vez de serem largados em jardins de infância, sujeitos a alergias e outras doenças próprias da concentração excessiva de crianças, que por muito bem que sejam cuidados, são-no sempre por estranhos.
Que riqueza de ensinamento será para uma família, aprender a envelhecer de forma “saudável”, com a presença dos familiares mais velhos?
Todos dizem querer preservar a tradição, o antigo, dizem até que é necessário conhecer muito bem o passado para se descobrir melhor o futuro. Então porquê não preservar os idosos junto da família quando se procura preservar ou usar para gozo pessoal, os bens que eventualmente tenham amealhado?
Será que se pode analisar a pessoa pela atenção que dedica aos seus velhos? Será que se pode dizer “Diz-me se tens os teus velhos em casa e eu dir-te-ei quem és!”?
Será que a actual sociedade é incapaz de perceber e valorizar a herança valiosíssima que há em cada velho?
Será que tens autoridade para falar em solidariedade quando despejas os teus velhos num lar?
Sabe-se que abordar esta temática pode até ser uma chatice, mas a verdade é que define bem o carácter de quem a enfrenta.Caro Blogger deixe aqui o seu pensamento sobre a matéria e contribua para a discussão da mesma, neste fórum que pode contribuir para uma sociedade melhor no nosso concelho.